30/12/2013

HERÓI E PIRATA


É sabido que sou dado a tatuagens. E na semana passada fiz mais uma. Uma "sugar skull" de homenagem ao meu avô (caveira decorada e feliz que na tradição mexicana celebra a vida e honra a pessoa falecida). Já faz alguns anos que morreu num acidente. Uma merda sem jeito nenhum. Mas assim foi. E ainda hoje morro de saudades dele. Queria tanto que ele e o meu filho se tivessem conhecido pessoalmente. Iam se adorar. Tenho a certeza. Era impossível não se adorar o meu avô. E por isso fiz a tatuagem. Juntamente, tatuei 2 objectos que andavam sempre com ele e que eu herdei. O canivete e o relógio. O canivete que ele usava para tudo. Para cortar pão. Para cortar ramos de árvores para me fazer um arco e uma flecha. Para abrir nozes. Para comer uma maçã. Servia para tudo. Para mim representa mais que o simples canivete que ele carregava no bolso. Representa a versatilidade do meu avô. Representa todas as coisas diferentes que ele sabia fazer. Representa o seu talento e paixão de trabalhar com as mãos. E transformar uma coisa simples num acto mágico.
Tatuei também o relógio (apesar de ainda faltar tatuar os ponteiros e as horas, mas já não aguentava mais e ficou para a 2ª sessão). O relógio foi lhe dado quando vivia nos Estados Unidos. Foi lhe dado como prémio na fábrica onde trabalhava ainda eu não era nascido. Nunca mais o tirou. Até ao dia da sua morte. Lembro-me de o ver todas as manhãs a dar corda ao relógio enquanto bebíamos yerba mate juntos. Era motivo de orgulho aquele relógio. O símbolo do empenho e do trabalho. Da coragem de ter saído da Argentina e ter ido para um país (EUA) onde não falava a língua e do qual nada conhecia. Símbolo do reconhecimento. Também herdei esse relógio. Que para mim simboliza a humildade, o trabalho, o sangue e o suor. Simboliza o orgulho no que se faz e no que se é.

Carrego no peito, por dentro e por fora, a aura de um homem fora de série. De um herói que me protege e olha por mim a cada passo da minha vida. Que me lembra do que é feito o carácter.
Um homem que me ensinou pequenas grandes coisas. A imagem pela qual me tento moldar. Um homem humilde. Trabalhador e lutador. De uma honra inabalável. De uma bondade e coração sem limites nem fronteiras. Adorava uma boa partida. E fazia rir todos. De forma muito fácil. Era quase magia. Sempre admirei como raras vezes se queixava de alguma coisa. Educou-me durante uma boa parte da minha vida. Cresci com ele. Passou-me valores que hoje fazem parte da fibra da minha pessoa. Ensinou-me tudo o eu que precisava de saber. Ensinou-me a jogar ao pião. A plantar uma árvore. A apanhar fruta. Com ele aprendi a usar um martelo, um serrote, um machado. Aprendi a rachar lenha para a lareira. A escolher a melhor. Ensinou-me a fazer armadilhas para apanhar ratos e toupeiras sem os matar. Ensinou-me a malhar feijão. A fazer uma fisga com um ramo de marmeleiro, um bocado de couro e uma câmara de ar de um pneu. Ensinou-me a diferença entre pardais, pintassilgos e verdilhões. Ensinou-me a relativizar os problemas. Que não valia a pena nos chatearmos com a vida e com as pessoas. Com ele bebia yerba mate todas as manhãs. Jogávamos à bola. Andávamos de bicicleta. Víamos os combates de boxe juntos. Com ele ia apanhar polvos. Ensinou-me a lixar, a envernizar e a pintar. Ensinou-me como pegar e carregar uma saca de batatas às costas sem as partir. E adorava as tardes passadas a lavar garrafas, para depois as encher com o vinho caseiro que guardava nas pipas. Ficava orgulhosamente ao lado dele na missa ao domingo. Lá em cima naquela varanda onde ficavam os homens. Por isso tudo fiz esta tatuagem.
Obrigado por tudo. Que foi tanto, sem que eu nunca tivesse que pedir nada. Obrigado Avô. Obrigado Viejo.

Tenho tanta pena do meu filho não ter um avô assim. Já o disse algumas vezes. Mas a vida é assim mesmo. Para compensar, costumo dizer em brincadeira que sou pai-avô. E para me convencer que isso até pode ser fixe, relembro que o Brad Pitt que fez agora 50 anos, teve filhos com 45, portanto ele também um "pai-avô".

Voltando ao meu avô. Para mim ele é e será sempre o meu herói.
Para o meu filho, ele é alguém que está lá em cima "nas estrelas ao lado de Jesus", como ele diz. E talvez um pirata. Porque é isso que o meu filho vê quando olha para a minha tattoo. Que o bisavô "é um pirata" que está lá em cima "nas estrelas com Jesus". Pois eu acho que era assim mesmo que o meu avô gostaria de ser lembrado.

15/12/2013

A ENTREVISTA



A minha mulher faz anos hoje. 30 para ser mais exato. Tivemos uma noite épica de celebração ontem até às altas horas da madrugada. Mas apesar da inesquecível celebração, sinto que chegar aos 30 foi para ela um marco levemente tingido com angústia (sente que passou para a maioridade e que já não é a pita que um dia foi). Nada mais falso. E para o provar, decidi entrevistar a pessoa que mais a adora e saber o que ele tem a dizer dela. Fica aqui a entrevista.

Happy Birthday baby. And Happy Wishes.

11/12/2013

PAIXÃO COM PAIXÃO SE PAGA


Adoro ver gente apaixonada. A paixão é o que move este mundo. Estou convencido disso e não vale a pena dizerem-me o contrário porque não acredito noutra coisa. Sou teimoso. E sou por natureza uma pessoa com muita paixão. Não sei fazer as coisas doutra maneira. Sou assim em tudo. Amo de forma apaixonada. Corro de forma apaixonada. Faço surf de forma apaixonada. Escrevo de forma apaixonada. Sou pai de forma apaixonada. Discuto de forma apaixonada. Sou assim. Para o melhor e para o pior. Não acredito em meio termos. Comida insossa não me satisfaz. Gosto de tempero. Quem me conhece já sabe o que a casa gasta. Quem não me conhece não sabe o que lhe espera. É assim. Ou sopas. Que por acaso também gosto com muito tempero. Com esta paixão toda vem uma factura. Espero paixão dos outros. Sempre. Sofro apaixonadamente. Zango-me apaixonadamente. Desiludo-me apaixonadamente. Tudo para mim é um acontecimento épico. Recentemente passei por uma desilusão de dimensões épicas. Desiludi-me e entristeci-me tão apaixonadamente que ainda hoje tenho ecos disso no peito e na cabeça. Mas gosto de ser assim. Faz de mim quem sou. O meu filho é assim também. Apaixonado pelas suas coisas. Apaixonado nos seus abraços. Apaixonado nas brincadeiras. Apaixonado nas birras. Apaixonado para o melhor e para o pior. Gosto dele assim. No meio disto tudo, nós entendemo-nos. Brincamos apaixonadamente. Rimos e choramos apaixonadamente. Dançamos e cantamos apaixonadamente. Vivemos apaixonadamente. Entendemo-nos nas nossas paixões. Por isso quando me desiludi recentemente de forma épica e apaixonada e o meu filho me viu no meu drama pessoal, olhou-me nos olhos e perguntou "tás triste pai?" e de forma apaixonada abraçou-me e ficou a fazer-me uma festa no cabelo. Com 3 anos ele percebe-me. A paixão com paixão se paga.

BLOGS I F#*KING LOVE: A CIÊNCIA DO ARQUEOLOJISMO


De volta aos blogs que mais adoro. Este é um deles. A Arqueolojista é uma menina com uma missão. Descobrir lojas antigas. Caçá-las. Com estilo. E depois dar a conhecer. É nesta ciência que se especializa esta arqueolojista. E há de tudo. Lojas de conservas, tascas, restaurantes, retrosarias, livrarias, drogarias, chapelarias. Tudo de um pouco por este nosso país. As fotografias são apaixonantes. As histórias também.
Sou apaixonado pelo blog porque quando era miúdo tinha o sonho de ser arqueólogo. Um pequeno Indiana Jones. Adorava a sensação de descoberta e aventura. Ainda hoje sou assim. E o meu filho segue os meus passos. Descobrir pequenas "pérolas e diamantes" perdidos pelas ruas e becos das nossas cidades é uma aventura em que também embarco, apesar de não fazê-lo como profissão.
ela é uma arqueolojista. À séria. Uma Indiana Jones com fashion sense à procura de manter a tradição viva. Porque a tradição ainda é o que era. É preciso é descobri-la.

É clicar em cima da foto que já vão ver.

10/12/2013

COMO TER UM FILHO EM 3 PASSOS DIFÍCEIS. PASSO 3: O PARTO E O RESTO


O parto. Ah, o parto. Hoje em dia é um evento familiar. Mãe a soprar e a fazer força enquanto agarra a mão do pai. Pai de bata hospitalar a tentar filmar o acontecimento sem desmaiar. Equipa médica concentrada mas de sorriso a ajudar o mais novo a vir cá pra fora da melhor maneira possível. Sai o bebé e colinho da mãe com ele, ainda cheio de nhanha e tudo. Mãe de lágrimas nos olhos com a sua cria deitada no peito. Pai pálido filma o momento. Ah, o parto. Nos filmes é assim. Mas sabemos bem que na vida real não rola bem desta maneira. O nosso filme então foi bem bem diferente. O que nos leva para o 3º e último passo de como ter um filho em 3 passos difíceis. O nosso filme rolou assim:

Passo 3: O parto e o resto.

Arranquei logo que recebi a chamada da minha mulher a dizer que se estava a esvair em sangue, que a equipa médica não conseguia parar a hemorragia e que tinham de tirar o meu filho já. Para salvar a sua vida e a da mãe. Estava ela com 7 meses de gravidez. 32 semanas para ser mais exato.
Estacionei no primeiro lugar que me apareceu. E caguei para o ticket de estacionamento. Não tinha tempo para a EMEL. Entro na MAC e pergunto por ela. Olho para a cama onde ela costumava estar e estava vazia. Já sem lençóis e sem nada. Uma auxiliar entrega-me dois sacos pretos enormes cheios com os pertences da vida dela na MAC. Telemóvel, roupa interior, pijamas, laptop, DVDs, garrafa de água, diário, agenda, auricular, carregadores, fotografias. Todo o "mobiliário" dos últimos meses. A auxiliar leva-me até à porta do bloco operatório onde o milagre estava a acontecer. E ali fico. À porta, sozinho, sentado, com 2 sacos pretos enormes. Ninguém mais estava lá. Só eu. E o meu coração a bater na garganta.

Até que sai uma médica pela porta. Não tinha mais de 35 anos. Ou então estava muita bem conservada. Pára e olha para mim. Tira a máscara e aproxima-se com cara séria. Eu levanto-me e ela pergunta-me "é o pai?". Eu respondo que sim, sou. Ela sem nunca tirar a poker face estica-me a mão e diz "parabéns, tem ali um belo rapaz". Confesso que me caíram as lágrimas. Ela diz-me "só um bocadinho que a enfermeira já fala consigo". E foi-se. Passado 1 minuto, saíram pela porta os restantes médicos. Eram uns 3 ou 4. Já não me lembro bem. Todos eles passaram, deram os parabéns sem parar e seguiram pelo corredor na conversa. Eu e os meus sacos ficámos ali à espera em pé, olhos fixados na porta. Ao que sai uma enfermeira com um bebé nos braços. Chega ao pé de mim e conheço o meu filho pela primeira vez. De todos os momentos mais emocionais que tive na vida, este foi sem dúvida o mais emocional. "É o seu menino" diz ela. "Parabéns pai. Correu tudo bem. Nasceu com Apgar 9, pai". Enquanto ela falava eu não tirava os olhos dele. Queria abraçá-lo mas não podia. Eu tinha acabado de vir da rua, não estava desinfetado e ele estava fragilizado com as suas 32 semanas de vida e 1,9 kg de peso. Mas os meus olhos e a minha alma abraçavam-no e não o largavam. Era tão parecido comigo que fazia impressão. Só que com menos cabelo e sem barba. Lembro-me que tive uma sensação incrível, como se me estivesse a ver a mim próprio quando nasci. Uma espécie de déjà vu. Diz a enfermeira "peço desculpa pai, mas tenho de o levar já para os cuidados intermédios. Depois pode lá ir ter para vê-lo. A sua mulher está a recuperar da anestesia e já a pode ver daqui a um pouco. Aguarde só um pouco". E seguiu com o meu filho pelo corredor a caminho da Unidade de Cuidados Intermédios. Fico ali. Os sacos e eu com lágrimas nos olhos. Ao que passados uns 5 minutos aparece uma enfermeira à porta com a minha mulher deitada numa maca. Vou direito a ela, dou-lhe um beijo e digo-lhe que a amo. Que é a mulher mais corajosa que conheço. E que correu tudo bem e que já vi o nosso filho. Ela ainda com a moca da anestesia geral, pergunta-me onde ele está. Eu explico-lhe que foi para a UC Intermédios mas que está tudo bem. Ela pergunta-me se ele é bonito. Eu digo-lhe que é de certa forma parecido comigo. Ela grita "O MEU FILHO É LINDO" a chorar e ainda drogada. A enfermeira interrompe dizendo que a tem de a levar para a sala de recuperação, que ela ainda está muito fraca. Tinha perdido muito sangue e ainda estava a sair do efeito da anestesia geral. E enquanto a enfermeira empurra a maca pelo corredor fora vou ouvindo a minha mulher a gritar pelo hospital "O MEU FILHO É LINDO". Já tinha virado a esquina no fundo do corredor e eu ainda a ouvia. Foi das cenas mais lindas e hilariantes que vi na minha vida.

Vou a correr com os sacos atrás, direto para a UC Intermédios. Quando chego lá, já o meu filho estava na incubadora. Tubo no nariz, a dormir de barriga para baixo. E tirei-lhe a primeira foto. Fico ali. Apaixonado a olhar para ele. Cara grudada no vidro da incubadora como os putos fazem quando vão ao Oceanário.

Nota. As primeiras fotos na Unidade de Cuidados Intermédios




Entretanto a minha mulher recuperava da cirurgia e da anestesia geral. Tinha perdida muito sangue e portanto estava muito fraca. Só 6 horas depois é que teve autorização para ser levada de cadeira de rodas para ver o nosso filho pela 1ª vez. 6 horas depois ainda não tinha conhecido o filho. Lá foi ela no seu primeiro date com o Santiago. Não posso sequer imaginar o que sentia a caminho dos cuidados intermédios nem o que sentiu quando o viu pela primeira vez, sem poder agarrá-lo ou abraçá-lo. Ela já me tentou explicar. Mas faltam-lhe as palavras. Porque acho que não devem ter sido ainda inventadas. A meio da visita desmaiou. Estava ainda muito fraca. E foi levada de volta para a sala de recobro. No dia seguinte chego à MAC, bom dia e tal e vou direto à UC Intermédios. Chego lá e peço para ver o meu filho. A auxiliar vai à incubadora do meu filho e diz que ele já não está lá. Que tinha sido transferido para a UCI (Unidade de Cuidados Intensivos). Foi um soco no estômago. Perguntei o que se tinha passado. Ele diz que a médica já fala comigo. Então parece que os pulmões ainda estavam pouco maduros e não conseguia manter a respiração sem ajuda. Além disso, o peso dele tinha descido substancialmente porque ele não comia. Fui vê-lo à UCI. A UCI da MAC é incrível. Moderna e com uma apertada vigilância e monitorização 24 horas por dia. E lá estava ele. Todo entubado. Atado para não se mexer. Máscara de oxigénio na cara. Tubos no nariz e na boca. Sensores colados por todo o corpo. Agulhas espetadas nos braços minúsculos. Alimentado por um tubo pelo umbigo. Ainda hoje o meu coração aperta cada vez que me lembro do meu filho tão pequeno assim naquele estado. E eu sem poder fazer nada. O sentimento de impotência é avassalador. É contranatura. Então para colmatar a minha impotência, enchi o peito de fé, esperança e amor. E era o que eu lhe trazia todos os dias. Todos os dias lhe falava e dizia que tinha muito orgulho nele. Que ele era a pessoa mais corajosa do mundo. Que era o mais forte. E que eu e a mãe estaríamos sempre lá para ele. Tudo isto ao som dos beep-beep do monitores e do swoosh-swoosh do ventilador que lhe dava o oxigénio para ele respirar. Odiava aqueles sons. Ainda hoje quando os ouço só me lembro disso. Eu tornei-me especialista em ler valores nos monitores. Sentava-me lá ao lado e ficava a olhar ora para ele ora para os valores do monitor. Cada vez que os valores de O2 passavam abaixo de determinado limite que para mim era razoável, lá estava eu a chamar a médica. Fiz marcação cerrada à puta daquela máquina. E assim formam os dias seguintes.

Nota. Fotos da estadia nos UCI





Passados uns dias a minha mulher teve alta. Finalmente. Depois de semanas a fio internada podia sair. Quando entrou era verão. Fazia calor. E agora que ia sair, já o frio apertava. Mas ela pouco saboreou a saída. Porque o nosso filho ia ter de ficar. E já é difícil imaginar o que será para uma mãe ter um filho, completamente anestesiada, sem assitir a nada, ficar sem ele sem nunca o ter visto depois de ele ter nascido durante 6 horas. O difícil que será ficar acamada num quarto rodeada de mães com os seus filhos recém-nascidos ao colo e ela ali sozinha com o filho enfiado numa incubadora enrolado em tubos na UCI. Mas ter de sair daquele hospital e deixá-lo ali.... Voltar para casa sozinha comigo sem o nosso filho. Foi tremendo. Nunca vou esquecer os olhos dela enquanto voltávamos para casa. Há pouco tempo vi um video de um caso mais ou menos idêntico ao nosso, e há uma parte em que o marido filma os olhos da mulher quando voltam para casa sem o filho. E eu revi aquela cena exatamente.

E a nossa rotina continuava. Casa-MAC-casa. Tirei os dias a que tinha direito e passava os dias lá com minha mulher. Entretanto ele começa a melhorar. Começa a ganhar cada vez mais força e peso. E é finalmente transferido novamente para a UC Intermédios. E aqui fica durante mais alguns dias.

Nota. As fotos do regresso à Unidade de Cuidados Intermédios.




Passados alguns dias, ele é transferido para o Berçário. Acabou-se a incubadora. Acabaram-se os tubos, máquinas e monitores. Já tinha ganho peso e força suficientes para estar finalmente com os outros bebés. Antes ainda vi uma enfermeira tentar lhe tirar sangue para análises. Mas não encontrava a veia. Espetou-o em 4 sítios diferentes nos braços sem sucesso. Teve de lhe tirar o sangue pelo pé. Cada vez que ela espetava a agulha o meu coração rasgava. Mas estes putos são qualquer coisa de extraordinário. Incrível a resiliência e força deles. São mesmo uma força da natureza.

Agora já no Berçário as rotinas eram outras. Banhos já eram dados pela mãe (eu não dava porque adorava ver  a felicidade e amor estampados no rosto da minha mulher ao lavar o filho num recepiente do tamanho de um tupperware). O leite também já era dado pela mãe. Aconchego e colo. Palmadinha nas costas para o arroto da praxe. Tudo a que tinha direito. E assim foi até dia 15 de novembro. 20 dias depois de ter nascido. Conseguiu chegar ao peso mínimo aceitável para ter alta e foi o 1º dia que o levámos para nossa casa. O entusiasmo de levarmos a mala com a primeira roupinha que ele ia usar é difícil de pôr em palavras. Nunca vou esquecer a cara da minha mulher a fazer-lhe a mala. Foi um dos dias mais felizes das nossas vidas. Estava um frio de rachar lembro-me. Mas o calor que trazíamos no nosso peito era suficiente para aquecer toda a Lisboa.

E assim se fez um filho em 3 passos difíceis. Foi uma aventura do caraças. Um carrocel de emoções. Uma monumental tareia emocional. Podia ter sido muito pior é certo. E todos os dias agradeço a sorte e felicidade de ter corrido como correu. Todos os dias sinto-me abençoado. E sei que Deus esteve do nosso lado. A cada passo. Se podia ter sido mais fácil? Podia. Mas não era a mesma coisa.

E agora que estive a relembrar e a recontar toda esta história, quero agradecer:
  • a toda a equipa da MAC (médicos, enfermeiros, auxiliares e seguranças) que foram a nossa família durante aqueles meses. Aos médicos e enfermeiros por nunca terem desistido de nós nem de ninguém que lá estava.
  • às mães que lá estavam pelo apoio mútuo e pela partilha de fé, esperança, amor e histórias.
  • à minha mulher por ser a mulher mais corajosa, determinada e forte do mundo. És a melhor mãe do mundo e uma mulher do caraças. E ainda diz que passaria por tudo outra vez.
  • e ao meu filho, por nunca ter desistido, pela resiliência, pela força, por me ter ensinado o que é lutar pela vida sem nunca baixar os braços. Acho que ainda não tens bem noção, mas és o meu herói.


Só mais uma palavra à EMEL, pela multa que me deram à frente da MAC e que mesmo depois de eu ter explicado toda a situação, mostraram inflexibilidade e intransigência: ide para a puta que vos pariu. Não paguei a multa nem pago, que a esta hora já prescreveu.

06/12/2013

COMO TER UM FILHO EM 3 PASSOS DIFÍCEIS. PASSO 2: A GRAVIDEZ


A gravidez. São 9 meses. Ou 40 semanas. É uma experiência única e plena dizem algumas. Outras torcem o nariz quando se lembram do peso a mais, da dieta, dos diabetes gestacionais e dos pés inchados. Muitas fazem as aulas pré-parto. E a mala com umas mudas de roupa no dia que as contrações e dilatações começam a dar um ar da sua graça.

Para nós não foi bem assim. E assim passamos ao 2º passo de como ter um filho em 3 passos difíceis.

Passo 2: A gravidez.

As primeiras 20 semanas foram excelentes. Normais. Deu para fazer uma viagem a Veneza juntos e tudo. E ainda deu para tirar fotos giras. Até uma daquelas da praxe com as mãos a fazerem um coraçãozinho por cima do ventre. Também gostamos de ser pirosos de vez em quando.
Depois houve a hemorragia. E eu em viagem fora do país. A chamada chegou assim: "Não te preocupes. Estou internada porque tive uma hemorragia, mas está tudo bem com o bebé." Estava eu no aeroporto de Heathrow. Fui a um café, pedi uma água e mandei um ansiolítico para dentro. Depois a tortura de fazer a viagem de Londres com o telemóvel desligado. Cheguei a Lisboa, agarrei no carro e fui direto para o hospital. O diagnóstico: placenta prévia total. O prognóstico: internamento até ao nascimento do filho. Acamada. E sem se mexer durante o máximo tempo possível. Parto natural é pra esquecer. Vai ter de ser cesariana. Transferência para a MAC (Maternidade Alfredo da Costa).
E assim começou a 2ª metade da gravidez. A MAC foi a nossa casa durante os meses seguintes. Eu fazia casa-trabalho-MAC-casa sozinho todos os dias. A minha mulher acamada a tempo inteiro no hospital. Lavava-se como os gatos. E tinha arrastadeira debaixo da cama e tudo. Nível. As contrações eram monitorizadas a cada hora. E durante semanas foi assim. Saía do trabalho e ia direto para a MAC. Comprava-lhe um snickers, um croquete e uma garrafa de água de 2 litros no café e levava-lhe. Ficávamos ali na conversa até à hora de jantar. Era um dormitório para 8 camas. Estavam lá mais 7 mulheres. Todos casos idênticos. Alguns piores. Havia 2 televisões. Uma para 4 mulheres num lado do quarto. E outra para as outras 4 do outro lado do quarto. Estão a ver né. 2 TVs com 2 comandos para 8 mulheres. Todas grávidas. Era uma catástrofe à espera de acontecer. Havia mais tensão ali dentro do que na faixa da Gaza. Depois eu saía, ia comer qualquer coisa, passava no McDonalds do Saldanha e comprava-lhe um Menu Big Mac. Entrava com aquilo de surra e passava-lhe como se estivesse a visitar alguém na prisão. Deliciava-me a vê-la comer o hamburguer enquanto olhava por cima do ombro para ver se a auxiliar andava fazer a ronda. Épico. Mas depois o vazio. Sempre que chegava a hora de me ir embora. Voltar para casa sem ela e sem o meu filho não era voltar para casa. Mas assim era. Todos os dias voltava para casa mas sem voltar para casa. Até dia 27 de Outubro. Nesse dia recebo a chamada no trabalho. "Estou a ter uma hemorragia e não pára. Vão me levar para o Bloco agora. Ele vai nascer".

Nota. A última foto é do último Big Mac que ela comeu na noite antes do meu filho nascer. Vejam o prazer dela a comer. Fantástico.








05/12/2013

COMO TER UM FILHO EM 3 PASSOS DIFÍCEIS. PASSO 1: FAZÊ-LO


Ter um filho. Parece fácil. Umas velas, CD da Sade, garrafa de pinot noir. Ou então um capot de um carro numa noite de verão. E pronto. É esperar 9 meses e voilá. Fácil, né?

Nope. Nem por isso. Sim, felizmente para muita gente ter um filho é quase assim tão fácil. O maior contratempo é falhar no signo que se quer para o filho por apenas 2 dias, os quilos a mais que teimam em ficar ou a decisão de epidural ou não na hora H. Mas a verdade é que nem sempre é assim.

Para nós não foi bem assim. Durante os próximos 3 posts, vou explicar como é que se tem um filho em 3 passos difíceis. Vamos lá pelo princípio.

Passo 1: Fazê-lo.

Ah. A parte fácil e fun disto tudo, né. Basta deixar de tomar a pílula e cá vai disto. Nah. Isso assim era fácil demais. E não, não foi com CD da Sade, nem do Barry White. Não houve nenhuma garrafa especial de pinot noir reservada. Foram dias e noites a fio nisto, senhores e senhoras (yehaaa). Passou-se 1 mês, 2 meses, 3 meses, 4 meses... 1 ano, 1 ano e 1 mês, 1 ano e 2 meses... Epá, eu sinceramente perdi-lhe a conta. Nos primeiros tempos não se liga. Depois devagarinho começa-se a pensar "será que está tudo bem". Depois volta-se a tentar abstrair e a não pensar no assunto. Depois experimentam-se chás, vitamina E, barbatana de tubarão e rezas. Porra, se eu não o quisesse vinha de mão dada com a cegonha bater-me à porta. Pelo caminho experimentámos todas as posições possíveis e imaginárias. No princípio porque somos kinky. Mas depois já era para tentar encontrar a posição ideal para a fecundação. Tudo o que é de pernas para o ar é o ideal diz-se. Ainda bem que faço yoga, é o que tenho a dizer. Depois sempre que encontramos alguém conhecido na rua, lá vem a puta da pergunta "então e filhos, não vêm", "para quando um bebé", "já estão casados há 1 ano", "se começam a pensar muito depois nunca mais", "vá, só faltam vocês".
Epá, obrigado pela preocupação e pelas palavras de motivação. Sério. A todos. Mas f#$*-se, acham mesmo que preciso de motivação para fazer um filho com a minha mulher? O que eu preciso é que os meus espermatozóides deixem-se de merdas, encontrem o óvulo dela e entrem lá de uma vez por todas. Sem cerimónias nem "com licença". Ou então que o óvulo dela deixe de se fazer de difícil. Isso é o que preciso. Agora preciso lá de "então e filhos?" ou "vá, vamos, força que eles não aparecem sozinhos".
Depois de muita tentativa, muitos testes de gravidez, reclamações dos vizinhos e com ajuda divina: o resultado positivo. Recebi a notícia através de um gorro de bebé a dizer "I Love Dad". Foi um dos momentos mais felizes da minha vida. Finalmente podia descansar. E os vizinhos também.
Foi fun, lá isso foi. Mas fácil é que não foi. Agora experimentem lá perguntar-me "então e pra quando o segundo", que eu já vos atendo.