20/03/2014

SIMPLES


Já lá vai. O dia do pai. Foi ontem. Ao contrário de muita gente e igual a tanta outra, eu cá gosto dos dias simbólicos. É mais que óbvio que continuo a ser pai hoje. Como fui ontem e como serei amanhã. Um dia simbólico não quer dizer que nos esquecemos das causas ou de quem somos no resto dos dias do ano. Simplesmente acho que são porreiros. Só isso. Simples. E porquê complicar? E o melhor do meu dia ontem foi isto. Fazer um avião de papel com o meu filho e vê-lo a lançar o avião para o ar. Simples. Porquê complicar?

19/03/2014

DIÁRIO DE UM EX-LÍDER


Já não escrevia há algum tempo. Tenho andado ocupado. A tentar sobreviver. Eu explico:

Vamos imaginar a minha casa como um território. Um Estado soberano. Eu sou o governo desse território. Governo em coligação. Tenho sido nos últimos anos um governo democrático e civilizado. Atento às necessidades das minorias, tolerante com os manifestantes, respeitador dos direitos humanos. Um governo tipo o da Suécia ou daqueles países que toda a gente admira pelas políticas incríveis que têm, mas para os quais ninguém quer ir viver por causa do frio de rachar e dos dias curtos. Adiante. Tenho sido um desses governos. A minha política da saúde é irrepreensível. Toda e qualquer necessidade é prontamente assegurada e comparticipada na totalidade. A política da educação um sucesso. As melhores escolas, equipamento, fardas, tudo comparticipado a 100%. Política de cultura, artes e lazer do melhor que há. Política do desporto e da juventude sem precedentes. Finanças e tesouraria do mais brando que há. Ninguém paga impostos, não há taxas extraordinárias. Aqui até a alimentação é oferecida. É um país do caraças este do qual eu sou governo. Sou o Banco Mundial, o FMI, o Banco Alimentar, a ONU, a Disneyland, o Comité Olímpico, a Broadway, a Universal Studios e a NASA num só. Tudo a custo zero. Este meu Estado é o paraíso. Aliás, era.
Porque tenho um raio de um anarquista em constante manifestação que conseguiu destabilizar e derrubar o poder. A seguir seguem-se excertos do meu diário enquanto ex-líder deste território que um dia chamei de Casa :

20/02/2014
Hoje pela primeira vez senti alguma instabilidade social. Sinto que há uma voz dissidente que se começa a mobilizar. Começou com a resistência a lavar os dentes. Vou tentar reunir com a parceira de coligação para tentar perceber o que podemos fazer para apaziguar a situação. Vamos ver. Estou algo apreensivo.

22/02/2014
As coisas estão a começar a piorar. Apesar das tentativas de reforma de algumas políticas, o dissidente está cada vez mais inconformado. As vozes começam a fazer-se ouvir. A resistência inicial ao lavar os dentes espalhou-se a outra áreas da vida. Já não quer comer quando é hora de comer. A não ser que sejam gomas. Nem tomar banho. Sentes-se o clima de tensão cada vez mais acentuado. Estou a ficar deveras preocupado com o rumo das coisas.

25/02/2014
Isto está muito difícil. Muito difícil mesmo. O rebelde está disposto a derrubar o poder. Disso já não tenho dúvida. Começou a afectar a coligação. Reuni hoje com a parceira de coligação e estamos discordantes nas medidas a tomar. O dissidente já não se quer sentar quando se lhe pede. Já não quer ouvir quando tentamos a via do diálogo. Cheira-me que o governo vai caír. Acho que vou ter de recorrer à força para conter um possível golpe de Estado.

27/02/2014
Hoje fui fazer uma endoscopia. Andava com azia e o médico marcou-me uma. Fiz sem anestesia. Porra que foi difícil.

28/02/2014
Hoje sofri a primeira tentativa de derrube. O dissidente mobilizou todas as suas forças e perante a ordem para recuar, avançou. Estou com medo. Consegui conter o avanço temporariamente. Mas começo a perder o controlo do Estado. O dissidente já não cumpre quaisquer ordens. Conseguiu derrubar a coligação. A minha parceira de coligação colapsou. Já me falou na vontade de pedir asilo político. Declarei Lei Marcial.

01/03/2014
O país está a ferro e fogo. Estou desesperado. Já nem à força consigo conter os avanços do dissidente. A parceira de coligação está presa no quarto às escuras. Diz que não aguenta mais. Eu também estou no limite. Acho que já é tarde para pedir a intervenção de uma força internacional. A revolução está em curso. Perdi a mão do país. Declarei Estado de Sítio.

02/03/2014
Está instalado o caos. Nada mais funciona. É salve-se quem puder. Declarei Estado de Emergência.

03/03/2014
Se estiverem a ler estas palavras, é porque não consegui resistir à última investida do dissidente. Estamos presos. Somos diariamente torturados. As técnicas são conhecidas. Privação de sono. Trabalhos forçados. Perguntas e cânticos repetidos vezes sem conta até nos quebrar psicologicamente. Que Deus esteja connosco.

15/03/2014
Consegui tomar como reféns os Dinofroz. Quem diria que aqueles dinossauros minúsculos seriam tão importantes para o rebelde. Vejo aqui forte possibilidade de retomar o poder. Se ao menos eu pudesse encontrar a parceira de coligação. Ah está ali: "- Mulher, sai debaixo da cama. Tenho aqui os Dinofroz e disse-lhe que os queimava se ele não se portasse bem. O poder é nosso novamente".